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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Roleta Russa

Naquele pequeno bar de casino estava uma mulher sentada numa cadeira alta de madeira escura e almofadada. Com ela trazia uma mala forrada a cetim e o que lhe prometera. O balcão,grande e de madeira só contava com a presença dela e do empregado que neste momento se encontra a preparar o whisky que ela pedira. Mais calmo o ambiente não poderia ser, talvez por isso tenha escolhido este dia e este balcão para a sua árdua tarefa. O rapaz, sentado na cadeira ao lado, não sabe oque dizer: um misto de constrangimento e medo estão presentes na sua postura. Ainda não pediu pois está tão baralhado que não consegue sequer decidir o que lhe apetece.



Não poderia escolher outro sítio que não este, não seria justo e não faria sentido. Aqui estão preservadas as melhores memórias de tudo o que sobrou desta longa história. Gosto de me sentar ao balcão,aqui posso visualizar tudo e todos, fazendo com que tenha uma sensação de controlo, que tanto gosto, sensação essa que já não sinto em relação a tantas outras coisas. O empregado podia ter servido melhor o whisky. Afinal pago tanto para quê? Quer dizer, ao longo da nossa vida pensamos e esforçamo-nos tanto para quê? Para colocar um ponto final em histórias como esta, passado tanto tempo?Para quê? Para quê batalharmos tanto para tornar certos momentos efémeros, se realmente não o são? Para que é que eu estou aqui? Para lhe dizer o que ele não quer ouvir e ainda por cima lhe dar os “restos” do que sobrou desta íntima jornada que julgámos ser para toda a vida?Para quê? Agora não tenho tempo para pensar nisso. É tarde e ainda nem sequer anoiteceu. Ele vem aí, e eu, não sei onde irei buscar as forças que necessito para lhe dizer que matámos o que era nosso eque nos unia. Pelo menos o ambiente ainda está quente. A lareira está perto, acesa, e nela encontra-se a crepitar um fogo que há muito acabou.




Estou farto desta chuva que cai intensamente. Todo este tempo deixa-me melancólico. Talvez tenha esta impressão simplesmente porque preciso dela e sinto a sua falta. Agora vejo que muito tempo foi desperdiçado com conversas ao acaso e decisões mal sentidas.Finalmente cheguei, e ainda bem. Aqui está quente e o ambiente é tão familiar como a palma da minha mão. Impressionante, há coisas que nunca mudam… Lá está ela ao balcão, com aquela silhueta elegante e doce que é tão minha, com aquele ar de mistério que lhe é inato. Lá está ela, à minha espera, não esperando mais ninguém. Quando me viu, esboçou um estranho e enigmático olhar.Vou sentar-me ao lado daquela que conhece o meu cheiro e a minha pele como mais ninguém. Lá está ela, pronta para mim.





Não poderias ter escolhido mesa melhor para nos sentarmos: primeiro porque tenho já aqui ao lado a máquina de cigarros que procurava,segundo, porque me apetece mesmo fumar um cigarro! Apetece-me mesmo um café para ver se fico mais desperta. Não sei porque sempre que bebo café penso que ele me vai acordar, pois isso já não acontece há algum tempo. Podia ser viciada noutra coisa muito pior, mas não sou! Sou viciada em café! Em café e em observar pessoas em espaços como este, tentando perceber que são e o que falam… Olha, como aquele casal ali ao balcão. Gostava tanto de saber o que falam mas a música ambiente não deixa. Ao observá-los recordo quando conheci a pessoa que me acompanha atualmente. Devem ter-se conhecido há pouco tempo, parecem tão tensos e parece que o tema de conversa não é muito sólido. Formam um belo casal, um tanto ou quanto irreverente, uma vez que ali quem bebe o whisky é ela. Deve ser uma mulher de armas. Gosto de observar o mundo que me rodeia, conhecer as pessoas do lado de fora, sem qualquer tipo de envolvimento. O calor humano mantem-me quem sou.

Agora não percebo, ela deu-lhe uma espécie de livro mas estão os dois cabisbaixos como se fossem rebentar em lágrimas a qualquer momento.Esta é a parte de todo este processo de observação que menos gosto: a parte em que vejo alguém a sofrer e não posso fazer nada para mudar isso. Mas a vida é mesmo assim, para uns se erguerem outros têm de cair. Tenho frio, apesar de a lareira se encontrar acesa. Um leve arrepio passa pela minha pele quando vejo a rapariga a sair do bar desenfreadamente. Não faço ideia do porquê, mas espero que ela fique bem.

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